É BOM MORAR EM SÃO PAULO?
Achei esse texto tão a minha cara que resolvi postar aqui. O texto é de Marcelo Rubens Paiva, paulistano, colunista do Estadão, filho de Rubens Paiva, que desapareceu na época da ditadura militar. Ele é autor de vários livros, entre eles “Feliz Ano Velho”, publicado em 83, vencedor de vários prêmios, que virou peça de teatro e tambem filme, traduzido em diversos idiomas.
“Eu amo São Paulo. Nasci aqui, quando ela era ainda uma fria cidade organizada -o centro era no centro, nos bairros as pessoas moravam-, provinciana, de muitas casas com quintais, sua noite era do silêncio, quando havia mais praças do que avenidas e aos fins de semana não havia o que fazer. Já morei em outras cidades, até na mais linda de todas, o Rio de Janeiro. Mas sempre volto. Pior: com saudades.
Como escritor, eu poderia morar em qualquer canto bucólico do mundo, escrever diante de uma paisagem deslumbrante. Mas e se o computador der pau, quem conserta? E se der fome à noite, quem entrega comida? E se eu quiser pesquisar algo na biblioteca, terá alguma completa por perto? E se eu quiser relaxar e ver um filme de arte, terá algum cinema na região? E se eu quiser me inspirar e assistir a uma peça do Antunes? E se eu quiser voar e participar do teatro-ritual de Zé Celso? E se eu quiser dançar um determinado estilo? E onde estarão os amigos de todas as partes do Brasil? E uma padoca aberta de madrugada, quando bater a insônia? E uma festa maluca, que começa às 2h, num galpão abandonado? E quando trouxerem uma exposição sobre a China, ela estará por perto? E haverá uma feira de livros com todas as editoras representadas? Aliás, dará para eu comprar livros a qualquer hora do dia? E se eu quiser um mojito cubano? Ou o novo “The Strokes”? Ou uma raridade? E se eu estiver duro, terá uma peça do Mário Bortolotto custando R$ 1, ou um Shakespeare grátis no teatro do Sesi? E sebos com livros usados? E cursos grátis do Sesc? Posso ser ouvinte de uma boa universidade? Aparecer nas palestras do Instituto Moreira Salles?
Quem decide se mudar de São Paulo deve abrir mão de tudo isso. Olha o dilema: uma vez morando nela, consegue se livrar do que faz bem à alma? Há qualidade de vida nesse paradoxo. Há também estresse sem tantos serviços. É desesperador ter uma paisagem deslumbrante, mas o computador não ter conserto.
São Paulo não tem cara. É um caleidoscópio do caos. Por isso, fascina. Por isso, funciona. Das marginais, vê-se a cidade se acotovelar no sentido da cordilheira da avenida Paulista. Sobre ela, a indefinida cor da poluição. Lembra uma pintura de Jackson Pollock, perturbada, desordenada. Cores. Suas avenidas e ruas não seguem um padrão. Há calçadas em azul e laranja, com pedras portuguesas e de concreto. Um sobrado de cem anos é vizinho a um respirador subterrâneo e de um espigão cinza, e vêm um posto de gasolina e uma padaria com seus azulejos amarelos e um hotel em formato de melancia. Suas ruas são curvas, não fazem sentido. De repente, um túnel. Mais à frente, um elevado corta os prédios. Vêem-se, em e de suas varandas, roupas secando, crianças brincando, TVs ligadas.
São Paulo é o mundo entre seus rios. Não existe nada igual. É única e essencial. Nas calçadas, não se estranha um negro de mãos dadas com uma loira, um japonês gordo jogando dominó com um cego, um português rindo da piada de um italiano, um índio executivo de terno e gravata falando ao celular, um árabe beijando um judeu, punks lésbicas bebendo cerveja, um camelô lendo Dostoiévski, hare krishnas paquerando patricinhas no farol, um anão carregando um trombone, um malabarista cuspindo fogo, desempregados vendendo canetas coreanas. São Paulo é sua gente. Em muitos bairros, ainda se diz afetuosamente “bom dia” às manhãs. Um café com leite se chama “média”. O pão é crocante e feito na hora. O sol nem nasceu. Gente voltando da balada é servida no mesmo balcão que gente indo ao trabalho. E um pastel de feira não faz mal a ninguém.
São Paulo mudou muito nas últimas décadas. São Paulo sempre muda muito. Ficou melhor e pior. Ela ganhou a violência urbana. A desigualdade nunca foi tamanha. Mas ela ganhou a Mostra de Cinema, festivais de jazz, um número enorme de casas noturnas, restaurantes e livrarias. A cada ano, teatros e cinemas são inaugurados. Institutos culturais também. E quase sempre há acesso para os deficientes.
A cidade está na rota das grandes exposições. Pina Bausch nunca deixa de se apresentar por aqui. E já vieram Nirvana, U2, até Stevie Wonder. Alguns tocam de graça no Ibirapuera domingo de manhã. Aos 15 anos, assisti a Miles Davis no Municipal. E ao balé “Sagração da Primavera” do Bolshoi. Vi Ray Charles também. Até conversei com ele no saguão do Hotel Transamérica. Conversei também com Kurt Cobain no saguão do Maksoud.
Bem, entre os passarinhos do campo, o barulho do mar, as cigarras cantando, prefiro o mundo.”
Marcelo Rubens Paiva
4 comentários
Quem diria que em meio de milhões de habitantes te encontrei…
Quem diria! Quem diria!
Quem diria que o frio e a geada é coisa boa,
Que o lençol e o cobertor esquentam à-toa,
Que este mundo poluído é bom pra nós.
Quem diria que a cidade de cimento é sentimento,
Que o amor floresce sob um céu cinzento
Que as luzes da cidade são estrelas, vistas, deste apartamento.
Quem diria! Quem diria!
De que vale o sol, o céu azul e o mar?…
Se o amor não tem escolha de lugar,
E chega sem a gente esperar…
E a gente, nesse louco vai e vem desta cidade,
No tumulto, o amor aumenta a intensidade,
Neste quarto acinzentado pelo ar.
Quem diria! Quem diria!
Ass. Um nordestino que viveu em São Paulo
Que bonito…
Valeu pelos versos…
Apareça sempre
beijos
Tem jeito que gosta de Uva e gente que gosta de Abacaxi.
Pra quem tem grana São Paulo é uma maravilha.
Mas eu prefiro o Mundo como ele realmente deveria ser, calmo,ar puro, sem essa vista cinza e esse mar de edificios e milhões de pessoas cada qual pensando no próprio umbigo.
São Paulo já não tem pra onde crescer e sua doença urbana já se espalha pelas cidades menores do interior.
Uma cidade feia, sem vida, toda pixada e por aí vai.
Por outro lado no quesito de locais pra se divertir ou ligado as artes São Paulo ganha mesmo de longe.Tem de tudo.
Mas eu não preciso de muito.
Num futuro não muito distante nos seres humanos precisaremos desesperadamente da natureza, do ar, do mar, dos pássaros, mas aí será tarde demais.
São Paulo tem ótimas qualidades, pra não dizer que é insuperável em muitas coisas, mas é triste ver pessoas que acham que São Paulo é um modelo de Mundo.
Oi anonimo!..rs
Um abraço bem paulistano pra vc!