A VOZ

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Tenho vários amigos e amigas, mas uma em especial é mais do que uma irmã, é a mais importante.
Justamente essa amiga querida teve que se submeter a uma cirurgia, que me assustou: Colocar três pontes de safena. Eu sei que hoje em dia, diante de outros tipos de cirurgia, essa passou a ser apenas mais uma cirurgia. Mas fiquei seriamente preocupada, só rezando, enviando energias positivas, ligando todos os dias, etc. O pior é que ela está bastante longe e eu tive que me conformar em acompanhar de São Paulo, toda a história, até porque ela mesma não quis que eu fosse pra lá. Menina corajosa.
Hoje, uma semana depois, ela me contou “os bastidores” de como tudo aconteceu.
 
Assim que ela foi encaminhada a sala de cirurgia, estava meio que dormindo e alguém (ela não sabe quem) disse pra ela;
– Você tem direito a um desejo, não importa qual, o que você quiser. Você tem direito a um único desejo. Peça o que quiser que eu vou realizar.
Ela pensou, pensou e respondeu:
– Não sei o que pedir, eu não tenho o que pedir. Tudo o que quis na minha vida, eu fiz. Tenho tudo o que quero. Nada a pedir, obrigada.
A voz insistiu, sugeriu, e ela respondendo a mesma coisa. A voz usava palavras muito bonitas e ela respondia sempre a mesma coisa. Tipo: Agradeço sua proposta, mas no momento não preciso de nada. Esse papo foi longe, sempre a mesma coisa e cada vez mais ela se lembrava de tudo que tinha conseguido na vida, de tudo que tinha passado, das pessoas que amou e perdeu, das pessoas que amava e ainda estavam vivas e cada vez mais chegando a conclusão, que tudo tinha acontecido no tempo certo; nem antes nem depois. Toda a sua vida passava pela sua mente e ela não queria mudar nada, nem acrescentar nada. Até que a voz silenciou, ela estranhou, abriu os olhos, tinha uma enfermeira do lado e ela perguntou;
– E aí? Quando é que vai começar essa cirurgia?
E a enfermeira
– Já acabou. Você está na UTI.
 
Na manhã seguinte, outra enfermeira apareceu com uma maca e ela pensou- Vão me levar pra fazer mais exames e depois me mandam de volta pra UTI…
Só que logo na saída estava seu filho esperando pra ir com ela pro quarto.
Daí ela começou a chorar e chorou o dia inteiro. Não queria comer, nem beber, nem falar, nem nada. Só chorar.
Ela não sabe se chorou porque estava livre, porque não tinha morrido ou porque não tinha mesmo nada a pedir.

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